sábado, 30 de abril de 2011

O canal do mangue

o canal do mangue
com suas flores amarelas
adornam seu esgoto
sem nenhuma pretensão de serem vistas

quem passeia a sua borda
e admira suas cores
quem as observa de longe
em uma rápida mira
no movimento do ônibus


a parada pichação
em um prédio secular abandonado
hospital de chagas

o canal do mangue
tem suas memórias
nas palmeiras derrubadas
na sua água sujinha
que corre quase parada

só um pobre anda a sua borda
e ele é motivo de desconfiança
seu descuido o condena

quem aceitará seu presente
com a mente aberta?


o canal do mangue
definitivamente
é muito sujo
para ser imagem do Rio


Canal do Mangue- Marc Ferrez- 1905

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Figueira

vocês, homens e mulheres
que sabem mil músicas decoradas
há anos armazenadas
das memórias de fins de semana

cervejas, cigarros
algumas estradas
cantadas e requentadas

vocês cantam bem se bronzeando

enquanto o mar passa gélido
vindo da corrente sul
Antártida e seu azul
coexistem com o som dos trópicos
ano após ano

vocês falam com experiência
para nós, meninos urbanos
vocês viveram outro tempo
que nós apenas estudamos

terça-feira, 19 de abril de 2011

blues da terça

fazia muitos dias, babe
que não ouvia as tuas cordas vibrarem
tua música surgir do quarto
e o violão libertar a casa

até o besouro assombrado
parou pra ver
da parede

uma ternura perdurou
e derrubou algumas traças
dos nossos cantos

eu já fiz algumas canções de amor, babe
que você nunca musicou

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Rei

faz muito pouco tempo
que a paisagem estava vazia
pouco, muito
é o que conseguimos ver

como um rei resignado
que abandona seu trono
lendo uma revista de astronomia

e outra de botânica

saiu em comitiva
para outros assumiram o poder

que nunca foi seu

quem está preocupado com o quê

quinta-feira, 14 de abril de 2011

e lá vem
lá de longe
chegando feito furacões
com seu rabinhos
fazendo cócegas na terra
apavorando alguns distraídos
traindo algumas previsões

independe de meteorologia
dos mapas das nações
de radares ou satélites
lá vem acariciando
crianças e anões

seu golpe é um continuum
quem escapa
não sabe o que está perdendo
quem se esconde
é detento
quem o enfrenta
vai voar

terça-feira, 5 de abril de 2011

já vai dar a meia noite
e não medido
o tempo
escorregou, tadinho
espatifou
bem no pé

ai

não precisamos de servos
ou pais
mas queremos tanto
algo outro
louros na cabeça e sementes pelo corpo

e a repetição nos corta

quem vai nos cuidar
como mães?

a sedução nunca foi
bem intencionada
uma luz verde
dança no prédio vizinho
naquela madrugada

quadros camuflados
surgem na parede do quarto
em um atitude sínica
como se sempre estivessem ali

não precisamos de óculos
para tirar nossas dúvidas
muito menos de sapatos ou asfalto
para andar pela estrada

e muitas são as vezes
que não dá em nada
 
luzes que travam nosso sono
desses tempos lacrados
em material plástico


espetam nossas pálpebras
como a angústia de um gordo mórbido
que ao entrar no ônibus
não consegue sentar

angústia que precede
peso dos nossos corpos caindo por toda parte
articulações pagando penitências
e nossos olhos ainda travados

é preciso dar uma lembrança
pra quem precisa dela
pra quem não tem nada

pra quem consumiu o passado
um estojo aveludado
comprado nas mãos de um charlatão