terça-feira, 31 de maio de 2011

Logaritmo

Estou na deriva do acaso
com o vento que chega
frio, inverno
levando lágrimas também frias
dessa cara lavada

nenhuma motivação
para projetos sem propósito
intervenções desnecessárias

penso que o silêncio também é de palavras
e ainda assim não calo

agora o vento vem, pela nuca
faz um burburinho
e alguém grita:
não, isso não é sopro, é furacão

a vizinha empunhando uma faca
ao som dos gritos dos outros

quando saímos dos planos
para o plano realizável, compositivo
vem aquele banzo do inverno
de novo, ele mesmo
sem colheita, nem plantio
mas tem que se fazer sem parar
para não esquecer
a mensagem que atrasada

delay


***

sou sustentado por agricultores
e por algum ministério
mas o que eu faço não se pega
só peca

só me peça, por favor, o que eu posso dar
pois não sou transgressor, sou presa
mil olhos me espreitando
por dentro deste mato seco, surpresa
é noite
e eu não sou daqui


{o expoente que uma dada base deve ter para produzir certa potência}

surf

"Todos os novos esportes - surfe, windsurfe, asa delta -  são do tipo: inserção numa onda preexistente. Já não é uma origem enquanto ponto de partida, mas uma maneira de colocação em órbita. O fundamental é "chegar entre" em vez de ser origem de um esforço" (Gilles Deleuze, Os intercessores)


Qual grande onda
ainda não descoberta?

[para que pontos de interrogação?
em poesias, pra que pontos?]

se olhamos com tédio
imagens radicais, bocejos
acabou o choque
pior que dormir, suportar o sono
suplantar o sonho
só helicópteros alcançam
nosso olho nascente
de vidro, zoom




sábado, 28 de maio de 2011

merda urbana

o cego com sua vareta
desvia de um poste
mas não da sua borda fétida


quem limpará os dejetos
de outros humanos?

para cachorros existem donos simpáticos
coleiras, passeio e sacos plásticos
em extremos casos
até carrinho de bebê

para os donos um tanto de medo
nojo ou desembaraço
em extremos casos
uma intervenção

sambaqui

eu te achava uma referência
mas referência é só mais um
lugar pra ver, uma experiência
todos têm, alguns falam dela
outros calam num silêncio argamassa
cimento que espedaça com o tempo
vira entulho para outra construção

sei não, eu só tô começando

domingo, 22 de maio de 2011

volta

você passa o dia fora
sai antes mesmo deu acordar
deixa um beijo na testa
e some pela fresta da manhã
raio escapulido contra vontade
a favor da obrigação

espera pacientemente tua volta
que eu te dou como recompensa

todas as declarações de amor
comprimidas no Sol que cai

anfitriã

você que um dia
era só
uma menininha redonda

hoje que mulher
de placidez imensa
elegância plena

frutas adornam perto de onde tu sentas
e nós as comemos te olhando
mastigando de mansinho
no deleite que é ver o teu vestido

uma mãe não deixa seus filhos
com fome
ela nos alimenta
com seu sorriso

e eu, sem te conhecer
saí de onde eu estava
para  te encontrar
para compreender
como se recebe
um filho em casa

segunda-feira, 16 de maio de 2011

é assim na história do tempo

o áspero sentimento presente
intensa pílula descrente de contra-indicações
alguma percepção futura, talvez
de cortes, mais ou menos homeopáticos
de tudo o quanto
desejávamos, sentíamos, esperávamos

alguns dos nossos amigos
envelheceram mais que nós
ou já são assim por natureza
cabelos que crescem post mortem

outros não temem, ainda

mas vejo na cara deles
a nostalgia de quando eram só garotos
e uma certeza adulta que tudo passa
por pior ou melhor que seja

tudo passa,
amigo

terça-feira, 3 de maio de 2011

o fracasso surreal
do século passado
ainda nos futuca
com tridentes e raios


mas agora
mais que antes
lâminas erram o alvo
pois olhamos de outro modo

o que não quer dizer muita coisa


mas já nos acostumamos com a ideia
de que somos homens


queria ser amigo de cachorros solitários
que observam pelas grades a noite vazia
antes do dia virar
melancolia
de vez

queria ser amigo de todos os cachorros solitários
não dos humanos
que os trouxeram para cá

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Visual dream

Tive um sonho visual. Como em uma máquina, avião talvez, subíamos acima das torres gêmeas, víamos em um plongé a profundidade do mergulho e a terrível pretensão humana de Babel. No sonho, lembrava do Philippe Petit, equilibrista, que havia bolado um plano meticuloso (e realizado) de atravessar e desfrutar daquela altura na corda bamba. Era noite no sonho e as luzes da cidade eram como de um outro planeta. Acordei e só lembrei disso pois soube logo cedo que o tal Osama está agora morto, já que há muito tempo sua imagem perseguida escondia-se abaixo do solo.


Contam que  Saint-Pol-Roux colocava um aviso em sua porta quando se recolhia para dormir: "Le poète travaille". Li isso ontem antes de dormir.