quarta-feira, 29 de junho de 2016

raiar São Pedro

golpe forte na expressão
golpe forte com a costa da mão
pandeiro e pandeirão
o que emana do homem que sobe
cada degrau de seu ser
pra pedir uma benção
emana a força e a dor
torna-se grande de joelhos
faz crescer uma grande onda
que balança o barco aparentemente estático

enquanto por outra porta
os índios guerreiros e todo seu batalhão
adentram na capela sorrateiros
arrastando-se e empunhando suas lanças
arrastando-nos pra dentro de uma tribo
transportando pra igreja de São Pedro
o chão do terreiro

sotaques se misturam no raiar do dia
a Casa das Minas celebra seu assentamento
a voz do pai se apresenta no filho
o corpo do índio morto resiste na entidade
o pelo pintado da onça morta
movimenta-se no tecido sintético das alegorias

quem não segura o que vem de lá
sofre a contradição por se sentir invadido

o carinho no olhar
abre qualquer batalhão
pra passar o sentido de tudo

não é pela via da brutalidade
menos ainda da invasão
o lugar do outro é sagrado
suas penas acariciam nosso pescoço
e nosso passar

não há imagem que sobrevive mais
que aquela inscrita no corpo



Cazumba Mirim
festa de São Pedro, São Luís, 2016


quinta-feira, 23 de junho de 2016

goteiras

vento frio lá de longe
vem chegando um tempo escuro
corremos para fechar janelas
tirar roupas do varal
mover aquilo que intencionávamos livrar do mofo alastrado
fechamos tudo, com ou sem aval do tempo
nos fechamos
e mesmo tendo trancado
o porvir despencou sobre os telhados
infiltrou pelas paredes
transpassou o forro
gotejou sobre nossos objetos de apreço

corremos agora para dar conta das goteiras
que nos surpreende sempre em um novo lugar
dentro de nós
escorre gotas carregando a sujeira do telhado
diluindo o excremento de morcegos e pombos que moram lá
e mesmo sem vê-los
aspiramos suas imundas presenças

dentro de nós há um mofo intruso
onde está aquilo que abandonamos