quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

picotar

muito tempo pra cuidar da minha memória afetiva

vou picotar
pra ninguém encontrá-la por inteira
no lixo

cortar o rabisco
beijos, abraços e sorrisos
deixar uma lembrança serena

sem paixão, um consolo apenas
resposta rouca pro muito tempo




TRANS

laboratório de transformação
transmutação
olhar para o entulho
e ver pequenos objetos da nossa memória


o que mesmo aproveitar da despensa?

pequenos objetos da nossa memória
é isso que vamos guardar

sábado, 15 de dezembro de 2012

saga encardida

tudo sujo encardido
o ar preto do ônibus descontrolado
a caixa de som no porta malas do carro
os rastros da política nas paredes
colados com bandas das choperias
e preparatório para concurso público
a propaganda no outdoor não condiz
com quem espera o ônibus descontrolado
na parada, no sol quente, olhando pro lado
não dá pra vacilar, olhar de canto de olho
quem vai no carro teme se encardir
é melhor só parar no estacionamento do shopping
da ilha, o ar condicionado


domingo, 9 de dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

delicadeza

como vamos repetindo certas expressões
para coisas difíceis de serem nomeadas
harmonizar, será que é isso mesmo?
e o desconforto, que não cessa, só pausa
de vez em quando, de quando em vez

*

jasmim, flor branca
delicada
que não pode cair
no chão, os pés, a raíz
no mundo
um caderno vazio
preenchido com o que vem aqui

que pétala é essa
que cobre teus ossos e músculos
teu relógio de pulso por baixo
que marca o tempo que vem aí

jasmim, flor branca

vista de Paquetá

vejo o rio lá de longe
o pão de açúcar
a localização do cristo

mas não ele

vejo o que o rio não vê
no meio da baía
navios insavores
com sua água da lastro
na nossa água
os rastros de todos nós
e de quem nem vive

anos de derrota
vejo o bico do papagaio
a merda branca das gaivotas
a nossa merda preta
flutuando no pet
depositada nas praias
com o desenho sincrônico da maré

nem na ponte
muito menos na vista mar
veriam o útero da baía

que sempre expele
a contento
sua placenta

aguardem
vejam



Chácara dos Coqueiros

corredor da Chácara dos Coqueiros
de um lado aquela mulher querendo passar
a cachorra do outro
atenta

ela tinha o rosto deformado
e a voz também não sabia bem da sua boca

ela queria sair só pela ilha
andar de tênis e bolsa a tiracolo

só ilha
a volta na Chácara dos Coqueiros
na revolta
armada
a volta até a praia das donzelas

a praia tá cheia de cachorro, dizia

a praia tá bem vazia, pensava

baixa a maré
escassa mulher
atenta cachorra
ao canto da garça
ao canto da Chácara