domingo, 31 de outubro de 2010

tem festa lá fora
tem grito de futebol
e gargalhadas subindo
pelo cerol das pipas

no céu
do Sol
lá fora

e eu fico por aqui mesmo
fechando os olhos
e vendo a paisagem
passar em mim

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

loop

doce de espécie
de que
doce
de espécie

*

lembro de Alcântara
uma coisa marinha passando
um batuque lá longe
em um quilombo onde nunca
poderemos
chegar

*

a luz amarela que fica
pelas ruas
os candeeiros lá estão
mesmo quando chega a luz elétrica
uma camada de cidade
cobrindo esse espaço

a lua sideral
ciclope visceral

o que mais dizer
do que não se precisa

dizer o nome da rainha
ou do calango passeando a noite

precisa

a tranquilidade da noite
com seus braços minguantes
refletindo o homem
refletindo o Homem

terça-feira, 26 de outubro de 2010

não quero marcar
um ponto de referência
um ponto de chegada
nem mostrar a entrada do atalho
nem a saída da emboscada
eu até queria sim
marcar os passos na estrada
como medida da memória
vejo
um seio que cai
bem à frente do outro
foi sugado pelo pai
o filho do outro

em ouro
é a estátua
mas vai apodrecer

porque é assim
o caminho das larvas
trazem o adubo

14 nós
na corda do poço

sábado, 23 de outubro de 2010

tem um estralo no meio da minha costa
outro no meio do meu peito
no meu cabelo o cheio do chaturo
e nas minhas mãos a lembrança de um novelo

que nunca teci
era da minha mãe

sentada no sofá, mas tecendo o mundo inteiro
e eu ali a esperar
um erro que me faz puxar a linha

que sensação gostosa e imprudente
temerosa é a força da mente

onde anda as mãos para massagear
a alma que somatiza a incerteza a nossa frente

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Fogo-apagou

não adianta estar na sombra
o fogo nos atinge
nos deixa em coma
cama escura
reino de lama
sem se ver

a morte por ali passou
numa corda pendurada
e deixou apenas um baú
no quarto desabitado

habitat do pica-pau
que resmunga e nos faz sorrir

sem os dois dedões
dos pés longe pisaram
ele espera o ciclo do santo
cercado de passarinhos
do sertão alado
em duas gerações
que fosso dado

uma distância secular
do dado jogado
fortuito legado
que levamos

boas combinações
mesmo tendo seca
pé rachado
migração forçada

e eu, uma falsa peregrina
segurando suas mãos
como se fossem raios

essa fé me atinge
e eu, uma pedra abalada
me extingo
daquilo que queimou
sem chama lançada

folhas secas
cintilância do calor
árvores que parecem mortas
mas disfarçam