condução

você me pega pela mão e me conduz pelo caminho que quer ir

estou reconhecendo uma paisagem antiga

um tanto desfocada 
às vezes sem brilho
se reacender em cores livres e vivas

ainda que eu ainda sofra
reconheço este instante como o marco
do bom e do sublime
encontro com a vida

Lameirão

maré cheia, maré enchendo
na praia não se passa mais
sem que se molhe por inteiro

para capturar a imagem perfeita
homens se movimentam com água na cintura
antes que suba mais

mas a noite se avizinha sorrateira
e nela seres misteriosos se camuflam na paisagem

mãe-da-lua no tronco madeira
alguma ameaça mordaz e invisível ainda paira no ar
pessoas morrem na praia, no seco
e a montanha de absurdos se avoluma no horizonte 

queríamos um pouco de calma
úmida e profunda respiração
enquanto o aroma da incerteza
atravessa continentes rumo ao Lameirão

(18 jan 2021)

relembrar lembranças

dos sonhos ao acordar

da infância ao se concentrar

das dores ao se atribular

do que adianta as mensagens sutis
se não sabemos decifrá-las

telas

meus olhos já secaram
de tanto buscar respostas nas telas
praquilo que está somente em mim

lubrifico com o colírio da suspensão do tempo

(11mai2020)

*

colírio nos olhos

refrescar das telas

as emoções que se foram nos olhos de alguém

um silêncio exige respeito

havia crônicas diárias em lapsos e saltos

mas havia antes algo disso

do desejo de encontrar

o buraco é grande e fundo

misterioso poço que marca a cidade

com águas cristalinas, outras sujas

quais rastros são deixados no brilho

projetado nos olhos de alguém

(17nov2020)