sábado, 16 de março de 2024

Rio São João

Rio São João
pista ponte estreita
Rio transborda
chuvoso verão

transborda a lembrança
de quando ali banhávamos 
antes que passasse
cabos de alta tensão 

verde nublado
por onde escorrem todas as águas
dali, rumo ao baixão 

Rio ri de nós
na alagação
no tempo parado

engarrafamento na estrada
de Ribamar

Rio abaixo do asfalto traz
mensagem da inundação


quinta-feira, 7 de março de 2024

na casa à venda
há tanto tempo
à venda
abandonada
a tenda
de quem não tem teto

o primeiro que se levou
o telhado
levado ao sopro de quem precisa dele
telha por telha
portas e janelas
madeiras aproveitáveis

casa construída por tantos anos
a fio
um sonho materializado
em ruína
tão rápido
matéria de desprendimento

quarta-feira, 6 de março de 2024

lastro

eu estarei te aguardando na superfície
não abrirei os olhos debaixo d'água

conforme tu me ensinaste
tudo será impresso conforme a vontade enviada

com aquele fundo que me toca
os pés submersos
no frio da correnteza

um ato nunca é só um ato

lança dados, dardos, fardos, laços

fornecem o lastro para se manter em equilíbrio

ainda que entre um estado e outro
se caia de novo num outro mesmo vacilo

domingo, 25 de fevereiro de 2024

peixes mágicos

a casa lembra uma igreja
um velho cuida de crianças
e lá contém ritos iniciados por epígrafes

peixes mágicos passam sob nossos pés
num chão transparente

não são peixes de comer
são feitos d'água

uma enganação de monstros safos
para quem quiser mergulhar n'outros mundos

peixes luminosos
vêm das profundezas dos oceanos
onde também habitam peixes monstruosos

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

veredas

não há estranhamento que resista 
ao longo caminho percorrido
tantas vezes escorrido
no vem e vai das veredas
esburacadas e com curvas íngremes
que nos levam até nosso querer

o que parecia tão longe
vem ficando bem pertinho
a volta que é sempre mais curta
ainda que feita devagarinho

já vimos aquela palmeira sorrindo
antes de vir 
ver 
de novo
nosso inconsútil regresso ao ninho

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Aguadeiro

antes mesmo de chover
das profundezas da terra
brotam os tajás de todos os tipos

antes do ano findar 
o axixá tinge de vermelho 
o céu azul sem nuvens

cai no chão suas flores secas
que assumem todas as formas
olhos, sonhos, borboletas

reino vegetal que implora
para prosperar nas sementes
que caem no chão seco

um futuro aguadeiro

antes da primeira chuva
dezembro nubla todas as manhãs
pincela a correria de fim de ano
na melancolia do fim do mundo

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Casa de Praia

casa de praia
tem ruídos de ondas nas paredes
e areia que cola na sola dos pés

maresia nas maçanetas
que abrem portas para as profundezas

vai e vem
ultra mar
outras línguas
viagens, malas perdidas
encontros furtivos
desnorteia de norte a sul
de oeste a leste
des sul teia

caímos em conexões improváveis
aversão e atração
que vem de longe
meta a meta no último vagão
mande de volta pro nação da exploração

"que se exploda" 

mas na terra fértil não há separação

quebra mar
e a areia invade a praia
na Ponta d'Areia

história borrada

a caneta é com que escrevo

minha história
com a ponta rachada ao cair no chão
escorre a tinta e tudo borra

já se foram os intrusos 
agora
a água dissolve o que tanto custou elaborar
outrora

e aquilo que não rabisquei
me persegue de forma sonora

esqueci o trocadilho

poemas esquecidos
tem gosto de sonhos não lembrados

não adianta forçar
eles vêm em epifania

ponte

no branco da crista da onda
às duas da tarde
visto de cima da ponte

onde está o verso que se esconde?

o branco cega
visto de cima
sem dó nem escrúpulos
anima

maré cheia
daqui a pouco vaza
aguarda logo a sombra rigorosa
vir puxar o pé

enquanto se dorme
há quem cruze
a Bandeira Tribuzi
e que reze ao cruzar
a do São Francisco

o medo não atrasa
fica sobre aviso
impresso no frio da barriga

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

lençol luto

a tela acende
dela surge uma criança inocente
sendo retirada de escombros

cinza
sem vida
é a paisagem
é o corpo
a medida
a contagem

menos de um mês 
milhares
quase não vemos sangue
das pequeninas
o pó cobre a pele
chega até nos
o matar
o deixar morrer

viver não é rotina em tempos de guerra
digo teu nome em prece
Palestina

todos os lençóis que cobrem tuas peles infantes
encharcam-se das lágrimas de quem pariu
um futuro que não será

sexta-feira, 14 de julho de 2023

flepa

saio de casa para encontrar 
o desencontro que me fez ser

aquela distância singular
de cara com a pluralidade

erros e tropeços
trajetos e trejeitos

analisei de perto 
aquela flepa minúscula 
alojada no canto direito 
das palavras vacilantes pronunciadas

tentei arrancá-la

ficou um pedaço insistente

tenho que me acostumar com ele
até que seja absorvido 
como parte de minha carne

segunda-feira, 5 de junho de 2023

lua avista

lua redonda sobe 
enquadrada pela janela sem grade

antes de sumir pela brecha
conta histórias de todos os povos descalços
que a fitaram de um modo puro
sem intermediários
sem mídias nem destinatários

transferência de ondas luminosas 
de mensagens oraculares
testemunha ocular de todas as eras

é a lua quem nos vê


segunda-feira, 1 de maio de 2023

do miolo de uma dor profunda
lágrimas jorram e inundam a terra
úmido escuro húmus
dor desgaste fissura

é preciso falar dela
de alto auto tom
nem mal nem bom
perspectivas iluminadas pela lâmpada da sala de exame 

enxame de vespas com veneno 
que nos derruba acidentalmente

não há o que fazer
além de fazer o inadiável

só há esse solo agora para cair 
antes que retornemos a ele

há beleza antes da dor profunda

sábado, 25 de março de 2023

planta suspensa

mesmo com tanta chuva caindo do céu
transbordando galerias

fazendo ver rios soterrados e ressentidos 
da ingratidão dos homens que ali bebiam

e ao mesmo tempo incontroláveis
a lograr seu rumo pressentido

mesmo com raios que tremem paredes e carnes
que abalam nossas estruturas 
e assustam o que seriam noites calmas

vento e tempestade
pulverizando gotas 

mesmo com toda umidade
aquelas plantas suspensas na varanda
aguardam nossa boa vontade

de molhá-las como se molha
uma faceta esquecida 
de nossa integridade


sábado, 21 de janeiro de 2023

velar ano novo

não confundir
abundância com desperdício 
ou futilidade

superando o trauma da escassez
sinto-me a vontade para rever que
abundância não é exagero

ao contrário

é contentamento 
e autorresponsabilidade

abundantemente me resguardo
no velar-me que alumia
o instante no qual transbordo

sábado, 31 de dezembro de 2022

por um triz

flor se abre enfiada na folha
rasga em desabrochar

abelhas trabalham 
na colmeia esculpida
na palha do babaçu
prestes a desabar

por um triz

sobrevivemos sem ferroadas 

pra aguardar o rasgo inteirar


sábado, 24 de dezembro de 2022

dê grau

três lances de escada desabaram
e de baixo olhávamos para o topo
pensando naquelas que por lá passaram

e no vôo que faríamos para subir
sem degrau, sem asa, sem motor

o movimento é de dor
dos músculos enrijecidos

mas o alcance é de outro sabor

no impulso escondido
o prazer do desconhecido

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

profecias infantis

tudo começa com a intenção
de dar uma flor colhida no jardim
e mais uma
e mais uma
até um balaio colorido se formar
servindo-nos de abrigo

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

atrás do arbusto

corro no campo aberto
sorriso de criança ambienta o espaço

onça esturra
corro, paro

pausa pra repousar
porque demanda não para

estado alerta cansa, para

sorriso de criança paira no ar delgado

pausa no movimento 
escondido atrás do arbusto

segunda-feira, 16 de maio de 2022

Flor Diana

colheita de flores para um bolo de terra
parabéns pro bode, pro boi, pro brinquedo

objeto de transição 

há muito mais ingredientes
que transbordam o copo da matéria

rumo a outra direção

for do dia
Dia na
tua essência 

onde habita um perfume 
do brincar com o molhado chão 
e com as pétalas que seduzem insetos
para adentrar no estigma irreversível 
do desabrochar


quarta-feira, 11 de maio de 2022

isolar

há uma solidão tão escura
na parada
corpo retorcido 
na árvore mutilada
frio na espinha
na espreita 
na virada

não vem me dizer
que é viagem 
da minha cabeça

só eu sei a percepção
de quem se encontra isolada

quarta-feira, 16 de março de 2022

frenesi

o vazio nos olhos de quem tudo tem

cheios e transbordantes os de quem soube criar

ao longo de anos
a velhice veio em rugas profundas
não para parar o corpo redefinido
reforça o que deixou pro mundo
rumo ao ancestralizar

a dança, a voz e os instrumentos
que me entregam a carta com a descoberta
vinda em sonhos

contados aos anciãos pela manhã

o vigor não mora nos olhos dos mortos ainda em vida

aloja-se nos músculos que mesmo cansados
ainda se jogam no frenesi


terça-feira, 8 de março de 2022

travo trevo

o poder das associações
perigosas e salutares

travo uma batalha
para ser feliz 
e livre

por um instante apenas

flutuante som do perigo que chega

o hibisco que se abre mais tarde
em dias de chuva

a guerra e a paz acontecem 
agora mesmo

folhas caem da planta retirada 
sobre outra planta

é preciso salvá-la

é preciso nos salvar

alquimias envolvem o som do vento 
e a paisagem
e a brasa que resta
queima tanto quanto fogo

sexta-feira, 4 de março de 2022

sequestro

vou contar pra mim mesma
uma história pra eu dormir

buscando a justificativa das minhas escolhas
vou para longe 
e lá não posso me refugiar

por um instante apenas
silencio
esperando ter de volta
meu tempo perdido

já era
agora sou mãe

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

d(o)a(r)

cuidar é doar
tempo, espaço, presença

tudo foi ocupado
inteira e intensamente
por essa parte de mim 

outro ser

rachando irreversivelmente
a solidez do meu eu

há horas que não gostaria
de ter que me preocupar
de me entregar
à realidade que eu mesma escolhi
depois de muito pensar

mas pensar não é sentir
e a realidade não é plano

procuro uma brecha pra ser
além do ser vir
e logo escuto um choro infantil
que irrompe como um vulcão adormecido 

se vem de dentro ou de fora
ainda preciso descobrir

cuidar é doar, é doer, é sorrir

ambivalência
abnegação 
ação


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

fora de rota

cabeça presa nos detalhes 
que não saíram 
como se queria

acidentes de percurso
nas mudanças de rota
manchas, oxidações, quebrados

na matéria se perde tempo
no pensar

deixe estar
pra ser ali

há beleza nas alterações

contentamento é o que é preciso

seja qual for a circunstância
decepção, pra quê...

domingo, 30 de janeiro de 2022

casa espiritual

na sala da casa
rodeada de flores
plantas, pássaros e luz

solar

muitas rotações implicadas 
nesse agora
aqui cheguei e o que isso significa

silêncio
a casa é espiritual
tudo acontece do jeito que é

assim é



sábado, 29 de janeiro de 2022

arte de viver

arte de viver
escrito na porta
lembrança da missão
de ser bonita
inteira
entrega
viva
morta
transição
semeada horta
nem sempre brota
vitória
derrota
transformação

tamarineiro

nos abrigamos na tua sombra
da chuva e do Sol

íman de crianças
que buscam pelas frutas no chão

degladiam com gravetos
nobre adversários invisíveis

das frutas podres
brotam pequenas árvores
desenrolando a semente
em pequeno galho
onde anuns poderão pousar

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

poeminha pra Diana

um calorzinho chegando na cama
subindo entre nós

dadá ninho
aconchego e carinho
mamãe fonte
dá água e soninho

doce é sentir
o nascer do dia contigo
a chuvinha caindo
e você relembrando
suas memórias verdinhas
de neném garotinha

"eu lembro, foi de manhã"
você diz

quero sempre lembrar
da preciosidade desses dias

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

pra extrair o brilho da terra

águas turvas
pelo minério
nos confins da terra aberta 

de lá não sairia
sem as mãos da ganância

não há paraíso pro turismo 
num mundo onde tudo é transação

um novo recanto paradisíaco será aberto
pra ser também explorado
um novo buraco será aberto 
pra extrair o brilho da terra

re fazer

refazer o que já fora feito
o corte na parede é análogo ao da alma
o chão quebrado é o mesmo solo da existência

uma aspiração de certeza 
é um delírio de potência 

o arco e a flecha foram armados
mas não se sabe mirar
mas não se tem a ergonomia
do corpo que concentra pra ver

refazer o que já fora feito
é uma chance pra mirar

e não se desapontar

di lemas

o cheiro da decomposição
exala pela casa
de vez em quando
ele aparece e some

a mancha da romã
ficou sobre a pedra clara
nova e já marcada pela ocupação

nas vestes antigas
lá também está
nosso desejo de emancipação

é desprendimento
o morto pode ser belo
na iridescência das asas do beija-flor
que dissecou no telhado

16/01/22



quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

renascimento

renasci com as folhas que caíram
sobrou uma para contar história
da árvore que fui antes de mim
de vir a ser crepúsculo e memória

da mesma seiva que é folha nova 
e galho aparentemente seco que
ainda guarda o avistar da boa nova

do topo da copa 
folhas se soltam

com minha unha
rasgo daqui de baixo 
a pele do tronco
pra saber se ainda
eu verde 
a fotossíntese


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

faz de conta

faz de conta
faz
sem contar            resultados
não mensurar
não dizer
entrega ao

sábado, 8 de janeiro de 2022

almas lavadas

na minha varanda tem
banho de cheiro
escalda pés
toque, cor, escuta, calor

porque preferi convocar 
os aromas da irmandade
a sucumbir em narrativas frias, insípidas e inodoras
do mundo sem rituais de afeto e cuidado

porque me revesti dos melhores envoltórios
compostos pela tessitura 
de fragmentos radiantes
trazidos nas mãos e nas almas lavadas
de benditos seres


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

entrega dos trabalhos

o sopro dos sobreviventes
deve ser resguardado

negacionistas e conspiracionistas
a serviço da morte
junto à ingerência proposital
e ao ódio disseminado
querem suplantar o que nos resta
de poesia e saúde

recolho mais uma vez 
a pedido do comum

pois desejamos juntar os cacos societários
para nos salvar

um dia
dentro da casa nos guardamos
na certeza de que o tufão iria passar

e que entregaremos
nossos trabalhos
com a calmaria da criança que dorme

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

cor da virada

nos cantos da casa
varro o sal grosso derretido
misturado às asas das formigas 
que vieram dançar na virada

junto com a chuva que virou o tempo
nossos ânimos e expectativas
que trouxe um raio, estrondo
para apagar as festas mais animadas

formigas de asas vieram seduzidas pela luz
para morrerem junto ao sal
que limpa os cantos onde se acomodam nossos medos
para de lá brotar a esperança
avistada na cor da virada

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

ab negação

o que foi que perdemos
que caiu no chão sem que víssemos
nesse período que abdicamos de nós

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

coreografia

ativação de tantos recantos esquecidos
de prazer
só temos consciência
quando nos entregamos às possibilidades

que nos furtamos

me vi dançando no eixo colorido da conquista

foi tão breve
mas deixou uma coreografia desenhada no chão onde piso

danço

agora busco por esses passos
que criei no momento oportuno
de ser quem sou
em transformação

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

peito aberto

abrir o peito
músculos enrijecidos nas omoplatas
ombros caídos

ao contrário do que se pensa
couraça não é armadura

coragem é peito aberto
pelo qual se pode elevar-se

suspensão

não é possível
que tds mestres 
estejam equivocades 
ao mesmo tempo

domingo, 14 de novembro de 2021

Fata Morgana

desaparecer na mágica de cobrir-se com um pano

cadê?

ver está emaranhado ao crer
os fios transpassados pela memória

ninguém está vendo porque não quer

uma nuvem cobre o Sol e a Lua
miragem no horizonte no mar
acordos tácitos em tratados estreitos
refração da luz

ninguém vê mesmo querendo
porque o mistério só se abre quando bem quer

reflexão da luz
feitiços não são farsas

Fata Morgana

tecido translúcido cobre tua cabeça


difusão da luz

a magia de desaparecer 
cobrindo seus olhos com as próprias mãos

domingo, 7 de novembro de 2021

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

penumbra

o que ninguém verá
escondido esconderijo
rígida percepção - de mim - 
sãos abrigos

maleável observação 
do sangue coagulado
dos flácidos mamilos
dos arroxeados na pele
que desaparecem dias depois 
de me autoagredir sem perceber

a escolha pela penumbra
clareia o quarto do fundo da alma


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

em paz, só

entre o que vivo 
tem como eu vejo
toca no que eu sinto
pivotam desejos
clareiam instintos
obscurecem segredos

não ditos contam histórias
para que eu possa dormir
em paz, só
só irei rever as perspectivas que deixei
para deixar vir raios dourados entre dedos

domingo, 10 de outubro de 2021

pa rir par to

hoje já vejo com outros olhos
a fantasia ilusória do meu desejo
das projeções

as imagens que deixei trancafiadas
só agora pude acessar

sem medo
não posso dizer
porque fui eu mesma quem as revestiu de uma amálgama de luto e dor  

mas somente elas 
me pertenciam verdadeiramente

o imprevisível foi a única possibilidade

a imperecível recordação
mantém-se transformada
no núcleo incessante da busca
pelo sentido do acontecimento
pa rir par to