Pertencimento Desocupação



ritornelo

sou a casa
o interior
desterritorializadamente
estou
sendo o longe
cada vez mais próximo
de onde chegarei
pois nunca saí
desse ir



guardamos lembranças mais que as caixas






queria a certeza
como se fosse
ao acaso que viesse
sem rodeios
no som
da tua voz
pra sair daqui
desse quem sou
apaziguar






você na janela
você nas paredes
ecoa risos e tempestades
poderia ter sido assim
sem histórias
 




sem piedade
o tempo da estabilidade traz
inevitavelmente
o assombro da saudade
e da desordem


 








as folhas secam e a terra molha
não olho pro espelho
e digo que vou embora

    sem despedidas

se aproximar da memória
é tocar o lago
dissolvendo as imagens

    de dentro pra fora









louco espaço                                minhas anotações por todo lado                     minha cabeça do outro lado





 
eu ocupei essa casa
o lugar para onde se volta
eu ocupei, sozinha, por vezes
ainda com outros
a todos recebi
por vezes de mim fugi



me passa cada coisa na cabeça
e na sua também
eu penso cada coisa
você me diz: é viagem
você  pensa cada coisa
eu digo o mesmo
você é com quem convivo






 A casa está vazia                                                                                                 mas só a vejo porque estou dentro dela





  
coisas de lá pra cá
coisas daqui pra lá
coisas que vão e chegam

até nós
enchendo nossos armários
que nem temos
nossas malas
livros
roupas
quadros
instrumentos
máquinas

nós em espelhos desatentos

uma memória está aqui
por enquanto
neste domus que será desabitado
reabitado por outros
como era antes
com a mesma luz às 14h15

foi só um aluguel 








não quero marcar
um ponto de referência
um ponto de chegada
nem mostrar a entrada do atalho
nem a saída da emboscada
eu até queria sim
marcar os passos na estrada
como medida da memória





parece que estamos sempre voltando
procurando o sapato da criança
que caiu 







já tá tudo arrumado
falta só o banho e deixar o quarto
lavar o corpo para sair de casa
e vislumbrar uma porta que se fecha atrás

é melhor assim
por segurança
cantar

na partida o céu parte
noite em dia
e dia em outro lugar

aquele banho é agora
um embrulho na barriga
que levo para lá







\Pertencimento
Desocupação/

Fotos e poesias de
Jane Maciel e Bruno Barata
(2010-2012)

"Agora, ao contrário, estamos em casa. Mas o em-casa não preexiste: foi preciso traçar um círculo em torno do centro frágil e incerto, organizar um  espaço   limitado.   Muitos  componentes   bem   diversos   intervém, referências e marcas de toda espécie. Isso já era verdade no caso precedente. Mas agora são componentes para a organização de um espaço, e não mais para a determinação momentânea de um centro. Eis que as forças do caos são mantidas no exterior tanto quanto possível, e o espaço interior protege as forças germinativas de uma tarefa a ser cumprida, de uma obra a ser feita." (Acerca do Ritornelo, Deleuze/Guattari)