domingo, 24 de fevereiro de 2013

livre

enquanto não fizer
o que posso fazer
não serei livre

 *

sempre

o quê?
fazer

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Paquetá





― É uma ilha no fundo da baía de Guanabara.
― É um bairro do Rio de Janeiro.
― Não parece com o Rio de Janeiro.
― Como se vai pra Paquetá?
― A barca sai da Praça XV.
― Demora muito chegar em Paquetá.
― 1h10, 1h30...
― Fui à Paquetá quando criança.
― Nunca fui à Paquetá.
― Só tem bicicleta em Paquetá.
― Tem charrete.
― Não tem nenhum carro?
― Tem o carro do gás, do lixo, ambulância...
― A polícia anda num carrinho de golf com um cachorro no banco de trás.
― O nome do cachorro é Dunga.
― Paquetá é bem tranquila.
― As portas dormem abertas em Paquetá.
― Mataram uma menina para se vingar do pai dela.
― Ela tinha cinco anos.
― Crueldade...
― A baía é suja, é preta, é poluída.
― Não se pode banhar nas praias de Paquetá.
― Praias impróprias ao banho.
― Mas todo mundo banha em Paquetá!
― Eu não banho naquela água imunda...
― O INEA afirma que algumas praias são próprias ao banho em Paquetá.
― A praia da Imbuca é a mais limpinha.
― As crianças se balançam na corda pendurada na amendoeira e caem nas águas calmas da praia dos coqueiros.
― A praia dos coqueiros só tem amendoeiras.
― Foi a bisavó do dono da chácara dos coqueiros quem plantou.
― A chácara é um paraíso com frutas e pássaros, com o mar rodeando, Lameirão e Coqueiros...
― Deixa a maré encher pra gente entrar no mar.
― Melhor não entrar na água depois de dias de chuva.
― Todo lixo que há na baía vem parar em Paquetá na ressaca da chuva.
― Chegou uma televisão e muito plástico nas praias de Paquetá.
― Um dia eu achei uma máscara cor de rosa, de plástico, ainda protegida pela embalagem lacrada, porém infiltrada pela água da baía.
― Chegou um cachorro morto.
―  Os cachorros de São  Roque se fartam nas carniças da praia.
― São Roque é o padroeiro de Paquetá.
― Viva o nosso santo padroeiro! Viva São Roque!
― Viva!
― Na igreja de São Roque tem uma pintura do santo, com o cachorro que lhe trazia o pão.
― São Roque era um eremita.
― São Roque é padroeiro dos cachorros.
―  Há muitos cachorros em Paquetá.
― Os cachorros são felizes lá...
― E tem o poço de São Roque, dizem que suas águas eram curativas.
― Tamparam o poço.
― Tem coreto de São Roque.
― Eu vi uma cadela idêntica a da pintura na igreja, na hora da missa, dentro da igreja a cachorrinha acompanhava a dona.
― Os cachorros são fiéis.
― Em Paquetá existem colecionadores de animais.
― Eu vivo na casa conhecida como "casa dos gatos", eram muitos mesmo, mais de 60.
― As pessoas jogavam os felinos pelo muro. 
―  A dona da casa adoeceu, jogaram os gatos no mar.
― Mataram os gatos?
― Sim.
― Crueldade.
― Quem mora em Paquetá é meio eremita.
― É exótico morar em Paquetá.
― É estranho, inusitado, eu diria.
― Só velhos aposentados vivem lá.
― Não, há quem trabalhe, pega a barca todo dia.
― Pelo menos não tem engarrafamento e tem horário certo.
― Mas às vezes atrasa.
― Não se tem respeito pelos moradores de Paquetá.
― Parece que ninguém tem o que fazer por lá, pode atrasar, pode botar a barca mais lenta, Itaipu.
― Tiraram um motor dela, 1h30 de viagem.
― Pode atrasar, só tem velho em Paquetá.
― A barca de Niterói é que não pode atrasar, nunca!
― As pessoas de lá trabalham, sempre apressadas entram na barca como uma manada.
― É verdade que as pessoas de Paquetá entram calmamente na barca, cada qual com o seu lanche; e cervejas.
― E tem vendedor de cerveja na barca.
― As cadeiras de madeira não tem encosto até a cabeça, não consigo dormir nessas cadeiras.
― Mas todo mundo dorme.
― Cada qual com o seu lanche e a sua tecnologia, informática e palavras cruzadas.
― Cigarros e cigarros.
― É bonita a chegada em Paquetá.
― Ainda há muito verde, mas crescem as favelas.
― Favelizou nos últimos anos.
― Ninguém mais quer vir pra Paquetá.
― Eu não quero ir embora de Paquetá.

[...]