quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

lição

Aquele cara  me mandou descer
a rua
ou subir o mais breve relevo
situações aberrantes
berros sufocantes
internos e extenuantes

Assim ordenou
com uma piscada de olho
pra eu ficar perto de gente
para descobrir no defeito do outro
o quanto sou errado

saber do branco
e lembrar do encarnado


Ele me mandou
bem enxergar e 
errar bastante
pra ver se um dia aprendo

o que eu acho bonito

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

primeiro passo
o mais doído
descompasso

 estamos circulando
para cima e para baixo
arrastando está
a canção do serpentário

às vezes nem se olha
nem pra cima nem pra baixo
só segue
arrastar acelerado
e quando não se aguenta mais
se segura mais um pouco

no corrimão
quantas mãos passam por ali
deslizando as linhas dos seus destinos

somos mais temerosos que os meninos
travessos, escorregam brincando
naqueles que os apóiam

*

caimos em casa a noite
contemplando só o teto
poucos segundos antes do último açoite
não fizemos nada

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Escher

tout gris
tout crie
tout vit

se todos fossem gênios
não haveria genialidade

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

minha mãe sempre dizia

alento, sopro caindo
na cordilheira
correndo as pedras
nenhuma vegetação
ou fronteira para atravessar

um pulo para ir
outro para se afogar
um grande lago
nenhum bicho aparente
só eu escabreado
sôfrego cuidado
esporão saindo do cóccix
e atingindo minha cabeça

cuidado!
o perigo mora aqui dentro
lembrança que chega
mas não toma forma
não ganha corpo

ganha meu corpo
e me atola

não consigo ver mais nada
nem o que toma minha mente

o que foi é o que será
somente

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Upaon-açu

saio pela cidade
rememorando o que perdemos no caminho
mais que migalhas
para sair e para voltar
sujamos nossos pés na lama
no esgoto
céu aberto, ferida, sôfrego

o que ali estava
resta apenas mil ruínas de um corpo
estilhaçado, esquartejado, liquidado

que karma para você
que era tão bonita
que é tão bonita

e mal consigo reconhecer teus traços
e teu sorriso
e mal quero assumir nosso parentesco

pergunto-me se tenho vergonha
raiva ou só um descontento

crônicas cotidianas de lamento
nas ruas apagadas
cheiro de mijo e bosta
vultos de zumbis
ou sujas abordagens
pedindo vinte e cinco centavos
ao mesmo tempo que espreita nossa bolsa
poluição de tudo
do mangue, do mar, do trânsito, do som
uma zuada suja intermitente
da falta de opção

no público cujo sinônimo é decrépito
nos homens de atos medíocres
no horto que subimos de costa
olhando para trás
procurando algum vestígio do que fomos
e esperando a volta do pêndulo
toda arrumada sempre
com boca em fogo e sopro quente
serpenteia a mente de quem olha
queima o olho queima

ninguém a viu um dia desarrumada
sem olhos na bandeja